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Uma Análise da Sinopse de “Nostos”

Uma coleção de quatrocentos textos soltos, vinte e um deles em inglês, escritos ao longo de oito anos e perfazendo um livro de memórias, de ensaios e de ficção, com o objetivo final, mas sempre incerto, de encontrar não só um tempo perdido, mas também um lugar.


Tal como escrevi uma análise assim da sinopse do meu primeiro livro, e também do meu segundo livro, escrevo agora algo semelhante sobre o meu terceiro. Para recapitular muito brevemente, não sou fã de sinopses longas, acho que uma sinopse que conta a história até certo ponto faz com que a leitura até esse mesmo ponto seja quase redundante. E hesito também em responder à questão comum – mas o teu livro é sobre o quê mesmo?... Acho que não faz muito sentido responder em detalhe, tento sempre escrever de forma a surpreender os meus leitores, de forma a que cada capítulo tenha o seu próprio estilo e as suas reviravoltas, por isso quanto menos o leitor souber, melhor. No entanto, para este meu terceiro livro uma sinopse detalhada foi-me impossível, pois tal como digo nela, o livro consiste numa coleção de textos soltos, quase que aleatórios, que comecei a escrever no dia 14 de março de 2013, para concluir no dia 16 de agosto de 2021. Alguns textos são breves, outros são longos, alguns são de dezenas de páginas, outros são de uma só linha, mas sejam eles como forem, a dada altura quase que deixam de ser soltos, e sinto que encontrei algo que se assemelha a uma narrativa, pelo menos o suficiente para recomendar, embora não exigir, que o livro seja lido por ordem.

Curiosamente, vinte e um desses textos estão em inglês. Na verdade o número original era superior, mas ao editar o livro achei isso desnecessário e por isso traduzi vários textos. O motivo é simples – a ideia deste livro era simplesmente escrever o que me apetecia na altura, tal como me apetecia. Por isso, quando me apetecia escrever em inglês, eu escrevia em inglês. Eventualmente fui achando isso estúpido, e então traduzi e reeditei alguns textos, mas outros não tive como traduzir, simplesmente não podia. E a propósito disso, os vinte e um textos em inglês serão publicados aqui, na íntegra, porque não espero que leitores que não falam português comprem um livro do qual não compreenderão a maior parte. À parte disso não sei se faz qualquer sentido um livro assim, não sei se seria publicado em tempos antigos, mas também para dizer a verdade não quero muito saber... Não tenho como traduzir esses vinte e um, e se algum dia obtiver leitores deles espero que o motivo para isso se torne mais ou menos aparente.

Já aludi ao facto de o livro ter sido escrito ao longo de oito anos mas o que posso acrescentar a isso é que originalmente não era a minha intenção publicar o livro de todo. O meu objetivo original, que agora reconheço como estúpido também, era continuar a escrever sempre, até uma potencial idade avançada, para que no final da minha vida eu tivesse milhares de páginas a partilhar com alguém. Mas enfim, eventualmente, como se torna óbvio no próprio livro, recusei essa ideia, e tive de o concluir ainda antes do final deste ano. Isso porque este meu terceiro livro, que na verdade foi o primeiro que comecei a escrever, encerra como que uma espécie de trilogia com os meus dois anteriores – o primeiro é pessimista e em inglês, o segundo é otimista e em português, e o terceiro é um bocadinho dos dois e um bocadinho das duas línguas.

E quanto ao conteúdo? Memórias, ensaios e ficção... Foram essas as três palavras que achei que melhor descrevem este livro. Não é um diário, na verdade alguns textos foram escritos a meses e meses de distância, enquanto que outros foram escritos no mesmo dia, e por isso parece-me melhor falar de memórias. Porque escrevi mesmo à sorte, sem querer contar a minha vida numa ordem que fizesse sentido num diário, e nem sequer contei tudo por ordem cronológica como faria sentido numa biografia. Por isso são apenas memórias, fragmentos à sorte numerados em parte por mera conveniência mas também porque cada um desses números, do um ao quatrocentos, capturam aquilo que ia pela minha cabeça no momento em que o escrevi. Então não posso dizer que ainda concordo com tudo, aliás discordo de muito, aliás a sensação que me dominou enquanto editava este livro era a vergonha... Mas pronto, deixei estar, e agora fica para quem quiser.

Quanto aos ensaios julgo que são um vestígio de ter estudado filosofia. Em muitos aspetos esse tipo de espírito crítico e escrita analítica permanecem comigo, e por isso não os consegui evitar ao longo dos anos, não consegui morder a língua quando me surgiu uma qualquer ideia que quis, não necessariamente desenvolver, mas mais despejar. Dessa forma diria que ao longo deste livro encontro as origens, tanto das teorias pessimistas que descrevi no meu The Wandering King, assim como as teorias mais otimistas que descrevi no meu Telémaco. Sinceramente não sei até que ponto sou rigoroso, na verdade não penso em mim como um filósofo, nunca tive muita cabeça para a filosofia, mas também não consigo evitar descrever alguns desses textos como ensaios... E por último temos a ficção. Esta palavra é talvez mais estranha de explicar. De facto alguns textos deste meu livro são ficção, são coisas que não aconteceram, fui eu que as inventei. Mas não sei até que ponto são ficção da mesma maneira que ficção é ficção, se é que isso faz sentido... O que estou a tentar dizer é que alguns textos são invenções, outros são descrições de sonhos que tive a dormir, e outros ainda são descrições de sonhos que tive acordado. Nesse aspeto sou forçado a distingui-los das minhas memórias, não posso descrever todos os textos deste livro como biográficos, mas enfim, talvez haja um bocadinho de verdade em todas as minhas fantasias. Quer dizer, agora que penso melhor, talvez as fantasias até sejam mais verdade.

Quanto ao meu objetivo final mas sempre incerto nem sei bem o que dizer. Sei que, pelo menos a dada altura, o livro adquiriu uma meta que inicialmente determinei como o texto número quinhentos. Claro que não cheguei até aí, fiquei-me pelo quatrocentos mas alcancei um número de palavras bastante respeitável, parece-me, e também cheguei a um ponto na minha vida em que já não podia mais esconder este livro, simplesmente tinha de o tentar partilhar com alguém, e é precisamente isso que tento fazer agora. Mas esse objetivo, ainda que final, é também incerto porque não compreendo verdadeiramente o livro... Cheguei ao texto quatrocentos, editei, formatei e publiquei, sim, mas uns dias depois, precisamente no meu aniversário, comecei logo um segundo volume... Por isso não sei nada, acho que hei de escrever um livro com este mesmo título grego para o resto da minha vida.

E por falar em título grego, chego agora ao fim da sinopse ao referir a procura de, não só um tempo perdido, mas também um lugar... Ora, a primeira parte, por pretensiosa que possa parecer, é antes de mais uma referência a Em Busca do Tempo Perdido, um dos meus livros favoritos e que me inspirou a escrever e também sobre o qual escrevi bastante aqui mesmo, e em segundo lugar é uma óbvia referência à natureza dos textos aludida pelo título. A nostalgia é portanto um tema central, e acho que sempre será em toda a minha escrita, na verdade acho que já descobri muitos dos meus temas recorrentes, sobre os quais escreverei em todos os meus livros futuros. Mas como o meu título grego alude também a um lugar eu quis fazer referência a isso, aliás, muito antes de publicar este livro eu sabia que a última palavra da sinopse tinha de ser justamente essa – lugar. Acho que é uma das minhas palavras favoritas nesta língua portuguesa, e foi com o meu segundo livro que descobri, ou que apenas inventei e quis acreditar, uma relação íntima entre tempo e lugar, ou seja, quis acreditar na nostalgia e na saudade como coisas mais do que temporais e efémeras e imaginárias, quis acreditar nelas como coisas reais e concretas, quis acreditar nelas como lugares aos quais podemos, a qualquer momento, viajar.

E enfim, é essa a sinopse do meu livro. E então para o bem ou para o mal, tanto o que estiver bem escrito ou mal escrito, tanto o que for inteligente e o que for estúpido, tanto o que estiver bonito e o que estiver feio, tanto o que estiver correto e o que estiver errado e cheio de erros gramaticais e de formatação e tudo o mais, seja como for é este o meu livro. Passei os últimos oito anos da minha vida a escrevê-lo, e embora já tenha começado a sua sequela, tive de partilhar esta primeira parte para que pelo menos quando eu tiver outros quatrocentos textos prontos já tenha encontrado dois ou três leitores interessados. Porque sempre que dois ou três leitores lerem o meu livro, então tê-lo escrito terá valido a pena.

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