Não sou nenhum expert em linguística mas gosto de pensar que tenho algum know-how no assunto, até porque, se posso dizer ter um único skillset, é um skillset em palavras. Por isso é que criei um blog, no qual gostaria de receber um ou dois likes e shares.
Esse tipo de frase parece-me cada vez mais comum nos dias de hoje. É engraçado ver como cada vez mais fazemos uso de palavras americanas, e digo americanas uma vez que este tipo de palavras, devido a uma forte associação à tecnologia, parecem-me universais num sentido americano mais do que britânico. A meu ver, a nossa língua demonstra alguma dificuldade em traduzir certos termos correntes, e por isso, em vez de se adaptar, deixa-se apenas consumir por eles. Cada vez mais notamos que, em conversa normal, há uma crescente necessidade de empregar termos americanos, ou então, se não se trata de uma necessidade propriamente dita, talvez seja antes um facilitismo. É simplesmente mais fácil empregar palavras americanas em linguagem corrente do que tentar encontrar uma tradução fiel para cada uma delas. E isso é especialmente prevalente no meio académico, um meio no qual não saber inglês dificulta imenso a discussão intelectual, assim como algumas das aulas, no caso de o professor não ser português, e pior de tudo, dificulta a consulta de várias fontes, uma vez que muitas delas só existem em inglês, pelo menos num meio minimamente acessível. Por esses motivos, e talvez também por outros que não me ocorrem agora, o inglês torna-se cada vez mais presente na nossa língua.
É simplesmente verdade que a tradução não é uma coisa fácil, qualquer que seja a língua a traduzir. Um leitor voraz de qualquer escritor ou filósofo rapidamente sente uma necessidade de aprender a sua língua original e começa a considerar todas as traduções como, não propriamente erradas, mas insuficientes. É comum ouvir alguém fluente em francês tentar traduzir uma ou outra passagem de Marcel Proust mas logo prefaciando que o seu sentido só resulta em francês, e ainda que o nosso interlocutor francófono pareça desfrutar de uma piada privada, demonstra-se muito frustrado consigo mesmo ao tentar explicá-la... A verdade é que algumas coisas simplesmente perdem-se em tradução. Mas eu, não sabendo muito de francês, faço agora uso de um exemplo comum em inglês.
Quando penso em tradução, o exemplo que me vem logo à mente é a palavra “mindfulness” que o Google traduz simplesmente como “atenção” mas isso parece-me deveras insuficiente. A definição do termo no dicionário Merriam-Webster, traduzida por mim próprio, é o seguinte – a prática de manter um imparcial estado de consciência aumentada ou completa dos nossos próprios pensamentos, emoções ou experiências a cada momento. Assim sendo, a tradução do Google é deveras insuficiente, mas por outro lado, não parece haver um termo equivalente em português. A ideia de “mindfulness” seria então algo como um estado de espírito imbuído de uma clareza e compreensão plácida, seria aquele momento quase espiritual de calma e de autocontrolo, ou então, dito à Eça de Queirós, seria fumar um pensativo cigarro.
Então o que fazemos? Estamos perante um termo bastante útil para o qual não temos uma palavra que o designe. Inventamos uma em português ou simplesmente adotamos o termo inglês? Neste caso em particular, parece-me que adotar o termo não traga grandes problemas linguísticos uma vez que “mindfulness” é uma palavra relativamente fácil de pronunciar, se bem que ler a sílaba “mi” com um som mais próximo de “mai” seja estranho a um português não fluente em inglês. Mas aliás, nesse aspeto fazemos o mesmo com as palavras “site” e “like” que são ambas muito usadas hoje em dia por motivos óbvios... Também alternativamente, podemos não fazer nada. Afinal de contas, a ideia de empréstimos, ou seja, palavras de uma outra língua que são incorporadas na nossa, não é uma ideia nova. É uma idiossincrasia nossa termos várias palavras iniciadas pelo prefixo “al” devido à sua origem árabe, uma língua que faz desse prefixo o infinitivo, e ainda, como outro exemplo mais pessoal, diria que nós da década de noventa ainda nos lembramos de aulas de português num passado cada vez mais distante em que a professora referia um “walkman” a título de exemplo de um empréstimo.
Por isso, sim, em muitos aspetos podemos não fazer nada. Mas às vezes ocorre-me que, no meio tecnológico, falar português afigura-se como insuficiente, ou pelo menos estranho. Torna-se demasiado verboso e por isso temos frequentemente de descrever o conceito mais do que nomeá-lo, quase como se tentássemos comunicar uma sensação mais do que uma definição.
Um outro termo que adotamos livremente, também porque não parece haver um equivalente forte, é o termo “bullying” mas curiosamente, quando falamos em bullying cometido à distância, dizemos “cyberbullying” pronunciando o prefixo da maneira inglesa. Mas não dizemos “cybersegurança” ou dizemos? É engraçado que tenhamos adaptado o prefixo simplesmente ao alterar a segunda letra e subsequentemente a pronúncia, mas quando o associamos à ideia de bullying revertemos para o original... De novo, eu não sou linguista, nem sequer tenho grande cabeça para isto, só tenho vindo a achar engraçado. E já agora, o Google traduz o termo por “assédio moral” mas oferece outras opções como “ameaçar” e variações semelhantes. De novo, nenhuma delas captura aquilo que se entende mesmo por bullying. Captam alguns aspetos do conceito, tal como atenção é um aspeto de “mindfulness” em si, mas não captam o conceito na íntegra.
Um outro termo interessante que notei recentemente foi o termo “knockout” frequentemente utilizado em desportos de combate, nomeadamente MMA. Curiosamente, no Brasil, um país que produz vários lutadores assinados pela UFC, decidiram fazer algo que mais parece uma transliteração do termo, tendo então criado a palavra “nocaute” que pode surgir estranha aos olhos num primeiro momento mas rapidamente nos adaptamos a ela. Parece então que em alguns casos traduzir é possível e, com este método, o termo torna-se mais natural à língua portuguesa, pelo menos mais do que, a meio de uma frase fluente, quebrarmos o ritmo com palavras inglesas. E como um aparte, é engraçado notar como os vários comentadores americanos pronunciam os nomes de atletas brasileiros. Por exemplo, o nome de José Aldo é pronunciado como se fosse um nome hispânico, e o nome da lutadora Jéssica Andrade é pronunciado “Andrahje” o que soa inicialmente confuso até nos apercebermos de que os comentadores americanos estão a tentar pronunciar de acordo com o sotaque brasileiro.
Quero com isto dizer que o problema não é inerente à língua portuguesa. Traduzir é complexo em qualquer direção, há sempre qualidades interessantes de cada língua que se perdem quando traduzidas. No entanto, dada a universalidade da língua inglesa, torna-se mais expediente traduzir para inglês ou simplesmente adotar palavras inglesas. Mas parece-me uma estrada de sentido único até porque, se o pragmatismo é o valor mais elevado, e se o mais pragmático seria falarmos todos a mesma língua, então a conclusão lógica deveria ser que deveríamos todos falar inglês. Por um lado seria mais fácil, porque não? Mas por outro lado, o que seria da língua portuguesa se a inglesa se tornar simplesmente mais útil?...
No contexto de tudo isto está precisamente esse pragmatismo que simplesmente faz sentido, mesmo que não seja ideal. Afinal de contas, eu estou a escrever um blog, ou blogue, no qual a maioria dos artigos até à data estão escritos em inglês. E faço isso assim porque num mundo interligado, escrever exclusivamente em português é precisamente isso, é exclusivo. Tentar partilhar um trabalho numa língua que só seria compreendida em Portugal e no Brasil seria reduzir drasticamente as chances de receber atenção por esse trabalho. Além disso, seria positivamente estúpido uma vez que à partida, se eu escrever um ensaio sobre James Joyce, por exemplo, é seguro assumir que qualquer leitor português interessado em lê-lo será um leitor que já domina a língua inglesa. E essa mesma lógica parece aplicar-se a pessoas de língua portuguesa que procuram sucesso noutras áreas relativas à internet, nomeadamente tudo aquilo que se refere a redes sociais. Já agora, é engraçado que na frase anterior eu tenha usado um empréstimo adaptado com sucesso na língua portuguesa e também uma tradução. Talvez pela mais difícil pronúncia de “social media” a tradução tenha sido necessária enquanto que essa necessidade não se apresentou no outro termo.
E enfim, de resto não sei, nem sei bem o objetivo de ter escrito isto. Só sei que todos os trabalhadores de recursos humanos que enrolam, e que aliás dizem erradamente, a palavra “know-how” a meio de uma frase portuguesa deviam ser absolutamente nocautificados.
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