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A Minha Interpretação Pessoal do Trecho 29 do “Livro do Desassossego” de Bernardo Soares

Este livro é estranho. O seu autor original é um homem que o próprio Fernando Pessoa considerava um semi-heterónimo, ou seja, não numa personalidade alternativa e descoberta após um processo de introspeção, mas sim aquilo que o homem original descrevia como uma mutilação da sua personalidade. E talvez se possa dizer ser esse o tema recorrente de todo o livro, esta noção de algo em falta, algo insuficiente, algo vazio... Em muitos aspetos o livro existe num vácuo. Não há história nem protagonista, não há lógica nem coerência, é escrito com um prefácio mas sem um epílogo. Ao que tudo indica, este livro é um mero aglomerado de textos que o autor foi escrevendo sempre que o seu estado de espírito assim o determinava, um estado de melancolia para com o mundo, com a vida e consigo mesmo.  Assim, a vasta extensão do livro é prova de que esse estado de espírito frequentemente possuía o autor, mas após a sua morte, o livro não encontrou leitores durante quarenta e sete anos. Aliás, o livro ...

A Minha Interpretação Pessoal de “Vem Sentar-te Comigo, Lídia, à Beira do Rio” de Ricardo Reis

De todos os heterónimos, talvez o meu favorito seja o Ricardo Reis. Sempre admirei o estoicismo e o epicurismo, por isso não é de estranhar que também admire a poesia deste heterónimo porque, como todos aprendemos no nosso ensino secundário, os grandes temas que percorrem os seus versos são justamente aliados a essas correntes filosóficas. Encontramos uma serena aceitação do destino tal como ele é, para o bem e para o mal, uma plena adaptação ao mundo perante as constantes frustrações que sentimos quando o mundo não se adapta a nós, e uma compreensão e aceitação dos limites humanos, tudo isto para que alcancemos uma vida calma, mesmo que a morte não esteja longe. Para Ricardo Reis, assim como para Epicuro, o medo da morte é absurdo porque simplesmente não existiremos para sofrer a morte. Porque ou existimos nós ou existe a morte, nunca existem ambos em simultâneo. Então só podemos sofrer em vida, aliás, é só em vida que sofremos porque é só em vida que sentimos. Assim, o problema do se...

A Minha Interpretação Pessoal de “Tabacaria” de Álvaro de Campos

Dos três heterónimos, Álvaro de Campos é o mais estranho e talvez o melhor. Se eu tivesse de tecer um perfil psicológico, diria que a poesia deste heterónimo representa o lado mais profundo e agressivo do homem real. Em certos aspetos o próprio Fernando Pessoa foi um homem introvertido, talvez não necessariamente tímido, ou talvez sim, mas foi um homem que pensou muito mais do que aquilo que disse, e sonhou muito mais do que aquilo que fez, w foi um homem cuja manifestação no mundo ficou sempre aquém dos seus pensamentos sobre o mundo. Então foi em Álvaro de Campos que ele encontrou a válvula através da qual conseguiu libertar todos esses pensamentos, em grande fúria e violência. Esses adjetivos remetem logo para poemas como a Ode Triunfal e a Ode Marítima, poemas cujos versos mais, digamos, curiosos, talvez justifiquem que nos manuais de português os poemas apareçam incompletos... Isso foi algo que eu só descobri na universidade, a ler Fernando Pessoa quando devia estar a ler coisas...

A Minha Interpretação Pessoal de “Sou um Guardador de Rebanhos” de Alberto Caeiro

Em continuação com o meu artigo anterior, comprometo-me agora a uma interpretação de um outro poema do mesmo poeta... mais ou menos. Porque os vários heterónimos pessoanos são todos iguais e diferentes, e diferentes e iguais. Qualquer leitor encontra temas recorrentes nos vários poemas porque de certa forma todos estes poetas se propuseram a resolver as mesmas questões que tanto atormentavam o poeta original. Mas a solução encontrada por Alberto Caeiro é algo diferente na medida em que é quase invejável ao próprio Fernando Pessoa, ainda que talvez não seja invejável aos outros heterónimos. Por outro lado, talvez eu esteja a projetar porque em tempos esta poesia foi deveras invejável para mim. Ao contrário do poema anterior, do qual nem sequer tinha memória de ter lido e apenas sei que o li porque anotei marcas e sublinhados na margem da página, este poema é um que li, que gostei e que apresentei numa aula qualquer num dia que me vem agora à memória como idílico. Mas em típico estilo d...