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Showing posts from March, 2021

Meditações sobre “Em Busca do Tempo Perdido III – O Lado de Guermantes”

Este terceiro volume é aquele que confronta o leitor com a verdadeira extensão de toda a obra. É quase como olhar para o nosso prato ainda cheio quando nos começamos a sentir mais do que saciados, e a visão daquilo que ainda falta consumir surge-nos quase como um pesadelo... Certamente que essa comparação não é a mais laudatória com que começar este artigo, mas é honesta porque se eu tivesse de apostar diria que este volume, embora contenha os seus aspetos positivos, é o pior de toda a obra. De um ponto de vista geral é decididamente marcado pela típica indulgência proustiana, esta coisa de entrar por um devaneio e só sair dele ao fim de dezenas de páginas. E enquanto que os dois primeiros volumes contêm bastantes reflexões intimas sobre a memória e sobre os retratos psicológicos das várias personagens, ou seja, o maior talento de Proust, este volume foca-se muito mais na vida de alta sociedade na qual o protagonista é inserido, agora com mais seriedade. Além disso, as paixões infantis...

Transformar Maus Momentos em Boas Memórias

A continuidade da memória é aquilo que constitui a nossa identidade. O problema de perder a memória nem é tanto o problema de perder coisas boas, é mais o problema de nos apercebermos estranhos no nosso próprio corpo. Se o mundo nos alienar pelo menos nunca nos alienaremos a nós mesmos, isto é, desde que mantenhamos a nossa memória. Assim, por muito que alguns momentos ou fases das nossas vidas sejam menos bons, ou até mesmo bastante maus, é por perseveramos que chegamos ao fim deles e descobrimos algo que não teríamos descoberto de outra forma, e então torna-se impossível dizer que só queremos ficar com os bons aspetos das nossas vidas, até porque se pudéssemos voltar atrás no tempo e refazer tudo de novo, corrigir os nossos erros teria também eliminado todo o bem que nasceu deles. Quanto a mim, que muitas vezes quero voltar atrás no tempo e refazer os meus piores momentos, sei que nunca o poderia fazer porque se o fizesse nunca teria escrito o que escrevi, e os meus livros são hoje c...

Em Defesa da Ideia de Apoios à Reinserção Social

É costume ouvir-se dizer, como que de passagem, que quem participa em medidas de apoio social e de reinserção no mercado de trabalho está essencialmente numa relação de parasitismo para com o resto da sociedade. Considera-se que são gente que aproveita do espírito de caridade por detrás dessas iniciativas económicas para deturpar o seu objetivo final, ou seja, em vez de se tratar de dar apoios àqueles que precisam para que se elevem da sua situação presentemente precária, decidem em vez disso adquirir um certo equilíbrio nessa mesma situação para então permanecer nela o máximo de tempo possível, obtendo assim um considerável rendimento contínuo em troca de um esforço mínimo. E quanto a mim, que não sei nada de economia para saber se isto é ou não verdade, comecei a escrever estas palavras para atirar ao ar alguns pensamentos sobre natureza humana. Então, partindo do princípio que as minhas ideias pessimistas sobre as pessoas são verdade, mantenho que este tipo de caridade tem o seu val...

Ponderando sobre os Efeitos Prolongados do Isolamento Social

Estar sozinho é algo que sempre me fez sentido. Sempre preferi estar no sossego do meu quarto, de preferência completamente sozinho em casa, até mesmo ao longo de vários dias seguidos, mesmo quando esses dias se transformavam em semanas, e as semanas em meses. E enfim, devido a uma mistura entre a minha personalidade e os meus gostos pessoais, nunca precisei de muita gente à minha volta para me sentir confortável e para alcançar o que queria do meu dia. Não quero com isso dizer que sou muito produtivo e assertivo, muito pelo contrário, mas quero dizer que, em termos simples, safo-me bem sozinho. Numa palavra, sou introvertido, e por isso esta ideia cada vez mais antiga de estar em casa e de praticar isolamento social não me fez assim tanta confusão quanto isso, pelo menos não na prática. Mas desde cedo reconheci que nem toda a gente é como eu, algumas pessoas preferem passar os seus dias rodeadas de outras pessoas, e os seus hobbies são inerentemente associados a uma vida social ativa....